O mês de março foi atípico, a procura de trabalho tomava meus dias e as aulas ocupavam minhas noites. As notícias não eram boas, as previsões eram as piores possíveis. Resolvi voltar para casa, conversei com meu irmão e decidi que voltaria para minha antiga casa na próxima semana e que antes viajaria para encontrar a garota da internet. Nos falamos numa quarta feira, expliquei toda a situação a ela e lhe disse que nos encontraríamos, ela disse que iria me esperar na rodoviária na sexta-feira.
Na quinta feira, comprei minha passagem, marcada para as sete da manhã, passei a tarde esperando por ela, infelizmente não conseguimos conversar, mas isso não mudou meus pensamentos, deixei vários recados, em parte para contar as coisas que estavam acontecendo, mas principalmente pra acalmar minha ansiedade.
Na sexta, madruguei, tomei um banho demorado, peguei minha bolsa e saí de casa, caminhei por uns dez minutos até a rodoviária, meu ônibus ainda não havia chegado, lembro de me sentar próximo a última porta e ficar observando as pessoas, meu coração se agitava a cada ônibus que adentrava o terminal, eu estava muito ansioso, fiquei ali por uns dez minutos, minutos esses que se arrastaram como horas. Ele enfim chegou, cinco minutos de atraso uma pequena fila se formou, tirei da bolsa a passagem e um documento. Ali no portão E do terminal rodoviário, começava a melhor história da minha vida. Esbocei um sorriso ao pensar que embora eu não levasse bagagem e não pretendesse demorar, talvez a minha viagem tivesse um sentido maior que a de todos ali.
Permanecemos ainda por alguns minutos parados na rodoviária, para mim era ali o começo de algo lindo, porém não tinha a idéia do quão grande era.
Pegamos a estrada, eu observava os passageiros, pensando comigo “como eles podem dormir quando seus destinos estavam cada vez mais próximos?”, sorri ao pensar isso. Eu observava o mundo pela janela, com meus fones no ouvido eu sentia aquele aperto no peito a cada quilometro da estrada.
Não percebi o momento em que caí no sono, acordei com a voz do motorista anunciando que uma barreira havia caído à nossa frente, teríamos de tomar outra rota, por determinação da empresa deveríamos seguir por um caminho maior, mas pelo qual evitaríamos congestionamentos. Pouco tempo depois paramos. Um acidente com um caminhão bloqueou nossa passagem. Já estávamos com um atraso de duas horas, o tempo parado, fez a temperatura no ônibus aumentar muito. A pressa, o calor e a fome começaram a pesar em meu corpo, o que deveria ser uma viagem de cinco horas já ultrapassava minhas previsões mais pessimistas. A fome e o cansaço me fizeram cair no sono assim que saímos do lugar, acordei com o ônibus parado em um restaurante.
Ali tive a certeza de que tínhamos saído do estado, liguei meu celular, havia duas mensagens novas, uma de meu irmão e outra de uma amiga da garota, ambos perguntavam quanto tempo demoraria a chegar e se já havíamos parado para o almoço, respondi a eles e aproveitei para deixar mais uma mensagem para a garota.
Demoramos um pouco mais que o esperado no almoço, mas pegamos a estrada novamente, me senti mais aliviado, quando chegamos à capital, dali eram poucos minutos até meu destino, mas nada se compara com o que senti quando vi a primeira placa com o nome da cidade dela, toda a ansiedade e desespero chegaram como um trem. Procurava aflito naquelas ruas tentando encontrar algo que fosse dela, o rosto, a casa ou qualquer uma das coisas que via nas fotografias.
Chegamos à rodoviária, me esqueci do cansaço da viagem e das quase três horas de atraso, procurava por ela, olhei em todas as direções tentando encontrar. Nada. Me conformei, estava atrasado demais para que ela ainda estivesse ali. Olhei para o celular, não havia novas mensagens, caminhei até um banco vazio, deixei minha bolsa em uma poltrona e me sentei na do lado, estava de costas para a entrada, algo me dizia que ela iria aparecer e tapar meus olhos com as mãos, como nas cenas de filmes. Isso não aconteceu. Fiquei sentado ali por uns trinta minutos, olhei novamente o celular, enviei mais uma mensagem e continuei esperando.
Perto das quatro da tarde fui até a lan house que funcionava dentro da rodoviária, escolhi um computador com vista da área externa, olhei meus e-mails e entrei no MSN, não encontrei nada dela, essa era a hora em que normalmente conversávamos, encontrei a amiga dela e lhe perguntei se sabia de algo, apesar de não parecer muito interessada ela me respondeu gentilmente, disse que tentaria saber de algo e me informaria, fiquei ali por algumas horas, quando eram quase seis recebi uma mensagem da amiga, ela dizia que não havia conseguido nenhuma notícia, mas que eu não deveria me preocupar, logo as coisas iriam se ajeitar, ela se despediu e disse que tinha de ir, pois estava atrasada para a faculdade. Nesse momento minha ficha caiu, eu estava em uma rodoviária, em uma cidade estranha e sem notícias há dois dias.
Muitas coisas começaram a rondar minha cabeça, minha única companhia havia saído, a pessoa por quem eu esperava não aparecia, a fome apareceu e eu não tinha para onde ir. Pouco tempo depois meu irmão me ligou, expliquei a ele como as coisas estavam, ele me aconselhou a comprar a passagem de volta e desistir, eu lhe disse que faria isso caso ela não me desse notícias até a noite.
Quando passava um pouco das sete, resolvi me informar dos horários dos ônibus de volta, mesmo triste eu ainda guardava uma pequena esperança de que ela viesse e me levasse dali, as horas se passaram rápido, mandei várias mensagens, mas não obtive resposta alguma, às dez horas fui até o guichê, comprei uma passagem de volta, para as duas da manhã. Voltei lentamente e me sentei no mesmo banco, desmoronei, fiz o melhor que pude para esconder as lágrimas que não paravam de cair, mas era impossível, a dor e desespero que sentia, eu simplesmente não entendia porque aquilo estava acontecendo, queria voltar pra casa, queria minha cama, queria colo. Fiquei ali, imóvel, escondendo um rosto vermelho e encharcado num choro incessante. Estava agarrado ao celular, desejava profundamente que algo acontecesse, que ela me ligasse ou que chegasse ali.
Aos poucos as lágrimas pararam, não tinha mais o que por pra fora, apenas continuei ali, esperando, sentado na mesma posição.
Exatamente a meia noite, decidi mandar uma mensagem a ela, quando olhei o celular ele tocou. Uma nova mensagem. Era ela, dizia que não sabia que eu tinha chegado, esteve fora por dois dias e que havia voltado para casa no inicio da noite, pedia desculpas e perguntava onde eu estava, perguntava se eu já havia jantado, falava que queria me encontrar. Esbocei um sorriso tímido enquanto respondia a mensagem. Disse que estava bem, menti, que havia comido e que iria procurar um lugar para passar a noite.
Me levantei e fui até um banheiro próximo, lavei meu rosto, voltei ao guichê e remarquei minha passagem, conversei com alguns taxistas e recebi a indicação de um hotel próximo. Escrevi mais uma mensagem para ela, pedindo que ela se acalmasse e passei o endereço do lugar em que ficaria.
Cheguei ao hotel, era um lugar simples, toquei a campainha, um rapaz alto e loiro abriu a porta, ele aparentava seus vinte e poucos anos, foi muito simpático apesar da hora, peguei com ele uma chave e acertei o valor da noite. Subi até o quarto que ficava no andar superior, passei por uma escada estreita e mal iluminada, senti o ar pesado, minha mente estava confusa pelo cansaço e por tudo que eu já havia sentido naquele dia, no fim da escadaria chegamos a um corredor sem nenhuma luz, ele me indicou uma porta à direita, era a segunda, eu deslizava minhas mãos pela parede como se procurasse me familiarizar ao lugar, o chão era coberto por um assoalho, que fazia um barulho estridente a cada passo dado. Destranquei a porta, entrei e passei a chave antes mesmo de acender a luz, o lugar cheirava a mofo, as janelas eram velhas e duras de abrir.
Deitei-me na cama no momento em que mais uma mensagem chegou, ela repetia as mesmas coisas, eu lhe disse que já estava no hotel e que ela deveria ir dormir, meu corpo implorava que eu dormisse também. Perguntei a que horas poderíamos nos encontrar no dia seguinte, ela me explicou que teria de ir à faculdade que ficava na cidade vizinha e que estaria lá até as sete da noite, assim nos despedimos, eu dormi.
Acordei na manhã seguinte com o som de batidas na porta, meio sonolento ouvi que o café estava sendo servido, voltei a dormir. Um tempo depois, fui novamente acordado, o mesmo rapaz da noite anterior me chamava e me perguntava se eu continuaria com o quarto, abri a porta e disse que sim, voltei até a cama, olhei o celular, passava um pouco das onze horas, saí no corredor com o rosto ainda inchado da noite de sono, caminhei até o banheiro no fim do corredor, as portas dos quartos estavam abertas, quartos de solteiro, que tinham apenas uma cama, um armário de duas portas, um criado-mudo e uma cadeira. Lembro de pensar duas coisas, a primeira é que não havia uma bíblia no criado mudo, a segunda, a cadeira facilitaria muito caso alguém decidisse se enforcar ali.
Tomei um banho demorado e desci até a portaria, acertei a diária do quarto e saí, passei o dia caminhando pelas ruas entre o hotel e a rodoviária, tentei não pensar na minha situação, depois do meio dia liguei para meu irmão e lhe contei que ela aparecera e que iríamos nos encontrar a noite.
Por volta das seis voltei ao hotel e tomei um banho, me sentei, na cama respirei fundo e pedi a Deus que me ajudasse, saí novamente e fui até o shopping do outro lado da rua, quando eram sete em ponto voltei para o hotel.
Ao entrar no quarto senti que algo estranho estava para acontecer, me sentei na lateral daquela barulhenta cama de solteiro. Por algum motivo resolvi olhar meus e-mails outra vez. Uma mensagem inesperada havia chegado, eu não entendi muito bem, apesar de ser algo muito simples. As seguintes palavras mudariam todo o propósito da minha viagem: “Por favor, me ligue, preciso muito falar com você”. Algumas palavras. Um número de telefone. Um nome. Lucy Diamond.
O tempo começou a correr."